...eu não consigo mais ler.

(cartas de uma ilha para outras)


Para você, minha cega...


Através das luzes dos postes que acendem e apagam no compasso de sua respiração, quero te levar para minha cidade das palavras. Você sabe que não é preciso muito mais do que um (ou dois) sentidos para visita-la.

E nossos olhos se cruzarão lentamente por entre as frestas dos dedos de você, que se encaixam perfeitamente em sua tez apenas para que você possa ler todas as linhas que o tal do destino lhe reserva, mas que ninguém além de você vê.

Porém por entre os passos nessa cidade, nós somos dois Aquiles perdidos na guerra, sem função nenhuma a não ser pegar os nossos caixões, e carregar nas costas, enquanto tentamos entender palavras que possam ser profundas demais para nos enterrar.

E meu coração é seu.
Eternamente.

E nós passamos por Cinderella que se perdeu pensando que estava nos braços de Romeu, mas quando na verdade estava em suas mãos. O sapato ficou apertado demais, o cabelo está curto, e ela se pergunta até hoje "Porque a fada não morreu? Porque a carruagem não se acidentou?" Mas não há tempo para questionação na cidade das palavras. Ela volta todo dia e na rotina ela acha abrigo, e todo dia ela perde um terço de sangue, vinte e nove reais e um sapato que imita pele de crocodilo em cada beco que ela vira, e acha algum casal aos abraços sem utilizar nenhum sentido.

Porém nós estamos do lado errado da cidade minha querida. Nós estamos tangenciando as fronteiras que dividem as palavras jogadas ao acaso da linha que o escritor planeja por mais da metade da vida. Tudo é tão espontaneo assim, não que não possa acabar de repente como em um sonho que você acorda e só ouve um zunido que ecoa pelos dois lados do seu cérebro sem que você se lembre do que você realmente sente. E nesse sonho nós fazemos cem quilometros por hora com quatro litros no nosso tanque enquanto premeditamos os leitos para que o acostamento chegue, e nossos olhos descansem. Mas eu ainda ouço o trovão daquela arma filha da puta que fez todas as janelas estremecerem quando atiraram na unica esperança que restava dentro dessa cidade tão nula. "Você!" - eu gritei "Porque?" e eu chorei. E eu cantei, e sorri, e uivei, e desci até o inferno da repetição, em meu sonho. E ao acordar nós abririamos um buraco na cabeça de qualquer um que passasse pelo nosso caminho.
Nunca ninguém disse que a cidade das palavras era um lugar realmente tranquilo.

E nesse meio tempo eu sofri um ataque cardiaco.

Ouvi claramente o rufo dos tambores enquanto o médico cortava em seus termos tecnicos, aquilo que dentro de mim era tão romântico e esguio.

No stacatto da pulsação em meu cardiograma, eu achei o conforto enquanto manipulo planos e planejo dramas dentro do meu coma, enquanto eu sei que sua mão está bem rente.
E meu coração é seu. Agora. Para sempre.
Intermitentemente

Sinceramente.
De...
Cada um dos rostos que você tocou.
Cada um deles, invísivel.
Tão nus para sua mão.
Tão sujos para seus sentidos.