...eu não consigo mais ler.

(cartas de uma ilha para outras)


Querida Arlequina



Se concentra na dança.

Você abre os braços como um crucifixo e fecha os punhos, enquanto está tentando entender porque a chuva que cai parece ser tão mais fraca do que a que ela costuma ver na televisão. Os pingos de chuva a acertam como se fossem apenas um cortejo divino de alguem que coloca a mão na cabeça para que todo o mal que você sente possa ir embora. Os óculos começam a embaçar, e assim como qualquer coisa que você possa ver além, a natureza faz questão de que você tenha trabalho para que capte cada momento que ela possa proporcionar, fazendo que cada goticula de água saltite pela armação - como se fosse uma corda bamba - e caia suavemente, tropegante e deformada no vidro que separa a visão do que você quer entender. Uma daquelas tantas coisas que as palavras podem até tentar dizer, mas não conseguem mostrar. Até é divertido quando você consegue ver as coisas por um outro prisma, e no caso, um caledoscopio onde cada imagem tão certa que ela guarda dentro dela, se transforma num balé de opções que ela simplesmente poderia tocar com a mão e escolher. Fotografias de beleza fraturada, cacos de vidro jogados no chão que ela pode simplesmente desviar, ou pisar para ver sangue sair de suas veias, ou o que mais pode acontecer. Você se corta, mas não se importa e apenas se deixa levar pela mesma chuva que assim como uma estrofe antes do estribilho, te deixa preparado para quando o sol resolver acordar. É quando a espinha seca e o corte cicatriza. O gosto metalico do vento corta sua garganta, mas você pede para qualquer um que passa mais uma dose do que qualquer um puder oferecer. Um olhar são de indignação ou um abraço na loucura.

Você fala rimando, ao compasso da banda que troveja acordes e ecoa sirenes de ambulância, por qualquer lugar que passe.

- Não vou pegar nenhuma gripe, ou nenhuma doença que você possa rogar em mim como uma praga, pois chove tanto aqui, só que faz muito tempo que me afoguei até a alma. Eu aprendi a respirar debaixo d'agua.

E você se concentra na dança.