...eu não consigo mais ler.

(cartas de uma ilha para outras)


Para uma maçaneta...


Deixo na porta meus temores, pois sei que existe gente nesse mundo com muito medo de ter medo da vida. Gente assombrando as vizinhanças, altas em anfetaminas, andando por entre os carros estacionados, vendo estrelas um pouco acima da cabeça, com medo de tentar. Medo de respirar mais fundo, ou de dar um passo em falso. Medo de abrir as mãos, ou de entrar em queda livre, sem uma visão muito nítida do chão. Quão fundo é o poço, quão profunda é a sua solidão? Quantas palavras que você engoliu, com medo de vomitar? E quantas vezes acordou com decisões tomadas, e dormiu com arrependimentos acumulados, apenas porque da Caixa De Pandora, só valoriza a esperança, e confia demais no futuro. Um futuro este que não deve ser confiado, como acreditar em algo que não foi concretizado?

Deixo na porta minhas desilusões, pois sei que elas são frutos da minha auto-insuficiência. Tem gente que gosta de dormir, para esquecer tudo o que aconteceu. Como se num piscar de olhos, ou num gesto simples de amor, tudo pudesse ser curado; desde aquela dor de cabeça que te deixou atordoado, até mesmo a lua que insiste em ficar pendurada lá no alto. Mas ela não irá descer, enquanto você acreditar que ela é seu único amor. Pois ela ama todos, mas é uma alegoria, e só anda com quem realmente sabe o sentimento que ela resgata, quando existe muita dor. E o tempo entre um torpedo que atravessa a humanidade, ou uma folha caindo ao vento, relativamente, é o mesmo. O seu fechar dos olhos, a lágrima que cai do seu rosto, as palavras rabiscadas num papel molhado, esse espasmo de palavras, num soluço engasgado. Nada disso irá fazer você ficar bem.

Deixo na porta meu tempo, pois sei que tentar matá-lo, não irá acabar com esse tormento. O melhor à fazer é domá-lo, e mostrar para ele, que não é ele que passa, sou eu que estou passando por ele, vendo o dia morrer entre minhas mãos, contemplando a escuridão. Nós chegamos tarde demais, nossas bocas estão arfando, mas enquanto ele continuar na minha cabeça, será ele que estará me domando. Não posso deixar meu medo por ele, tomar conta de mim. O mundo vira as costas quando você aperta o botão da sonolência, e aquela história tão penosa que você está escrevendo, ninguém lerá, com certeza.

Então deixo minha anuência na porta, e que ela fique lá de braços cruzados, esperando qualquer traço de arrependimento, concordando com a mente, que reclama com o corpo, que conclama os meus sonhos, e todos os sentidos postados perante mim. Quanto tempo faz, que ninguém te vê chorar? E olhando assim, até que não é tão ruim. Olhando assim, não é um derrotar, mas só você sabe até onde você pode chegar. Porém, quero seus beijos, com certeza de que com eles empunhados em meus dentes, posso lutar, pela língua que mais explora, pela saliva que mais demora para nos dominar.

Deixo essas palavras por aqui, neste momento que o corpo queda, e que os dedos já não sabem qual direção devem seguir, apenas tendo certeza de que se seus olhos refletem o luar, as nuvens dos meus, sem duvidas, podem te completar. Eu ainda estou aqui, se você quiser, com minha lanterna, e minha capa de chuva, que tenta me proteger das lagrimas que caem perenes do seu olhar. E está vendo aquele cavalo ali, maltratando aquela flor, que está sendo pisada e despetalada? Mais cedo ou mais tarde, todo cavalo selvagem, irá ser domado, e alguém irá poder cavalgar.

E por essa porta, alguém irá passar.

(De uma antiga ilha, para essa nova)